O Alentejo Litoral tem estruturas ferroviárias renovadas ou em obras, a CP tem comboios, mas falta o serviço de transporte para as populações numa região onde o estado central tem desinvestido, há décadas, no transporte de passageiros por via férrea, particularmente desde a altura em que a troika determinou as principais políticas do país.
Este quadro ficou traçado na sessão realizada na sexta-feira ao fim do dia, em Ermidas-Sado, promovida pela Comunidade Intermunicipal do Alentejo Litoral (CIMAL) onde foi gravada a próxima edição do podcast do jornal Público “Sobre Carris”.
Realizada no Cine Teatro Vitória- Artur de Sousa Pinto, a “Conversa sobre Comboios” permitiu salientar que não há qualquer serviço regional, apenas param comboios intercidades em duas estações dos cinco concelhos do Litoral Alentejano, mas onde o investimento de que se fala há anos poderia colocar Sines a 50 minutos de comboio de Lisboa, menos do que levam as centenas ou milhares de pessoas que viajam diariamente do Entroncamento ou de Santarém para trabalhar na capital, como salientaram especialistas presentes na sessão.
A linha do Sul foi eletrificada e renovada – estações incluídas – com o aparente objetivo de levar pessoas de Lisboa para o Algarve e vice-versa. Estações como Alvalade-Sado veem “passar comboios há 15 anos”, os mesmos que também não param há décadas em Canal Caveira, Lousal, Santa Clara – Sabóia ou Pereiras – Gare, tal como deixaram de servir a cidade de Alcácer do Sal.
O ramal que liga Ermidas-Sado a Sines apenas serve para transportar mercadorias, depois de ter perdido o serviço de passageiros há 30 anos, como realçou Álvaro Beijinha, presidente do Município de Santiago de Cacém, concelho onde se desenvolve a maior parte daquele traçado.
Mas mesmo o serviço que transporta os contentores que chegam aos milhares ao maior porto do país e um dos maiores da europa é deficiente, e um dos motivos é a rampa que tem que ultrapassar em Santiago do Cacém, referida como a maior da via férrea nacional, com os seus 2,3% (quando o máximo recomendável não deve ultrapassar 1,3%).
“Devemos ser o único país do mundo desenvolvido onde o maior porto não tem uma ligação ferroviária em condições e outra por auto-estrada”, lamentou o autarca, que é também vice-presidente da CIMAL.
Álvaro Beijinha reiterou que as câmaras do Alentejo Litoral “têm feito pressão” junto dos sucessivos governos e da CP, mas as respostas ouvidas vão da falta de material circulante ao défice financeiro de um eventual serviço regional.
Argumentos que o jornalista do Público Carlos Cipriano, que escreve sobre ferrovia, desmonta em duas penadas, pois o maior investimento diz já estar feito: há infraestruturas, estações incluídas, e material circulante. Só falta pô-lo a andar, que é o mais barato, atendendo também a que as linhas existentes na região estão todas eletrificadas.
João Cunha, gestor e especialista em transporte ferroviário, e convidado da CIMAL para o colóquio de Ermidas – Sado, salientou as “grandes oportunidades” que estão a surgir na região, principalmente em Sines, com novas indústrias, centros de dados e ancoragem de cabos submarinos intercontinentais de transporte de dados, que se confrontam com a “falta de capital humano”.
Ora uma ligação rápida (50 minutos) de comboio da área de metropolitana de Lisboa até Sines apresenta-se como uma solução para a dificuldade que há em conseguir fixar os 8 mil quadros que estão previstos empregar em Sines quando estiverem a funcionar os empreendimentos projetados.
Por outro lado, uma rede ferroviária redesenhada permitiria “aproximar” de Sines, em tempo de viagem, localidades com Alcácer do Sal, Grândola, Santiago do Cacém ou Vila Nova de Santo André, tornando-as atrativas para fixar a mão de obra qualificada de que o complexo sineense vai necessitar. Com transporte rápido, seguro, confortável e económico.
Para atingir este objetivo, será incontornável a construção de uma terceira travessia do Tejo entre Lisboa e o Barreiro com valência ferroviária (com dupla via convencional e outras duas vias dedicadas à alta velocidade).
O previsto aumento populacional, para 50 mil habitantes, no triângulo formado pelas localidades de Santiago do Cacém, Vila Nova de Santo André e Sines é outro dos argumentos que João Cunha utiliza para defender uma ligação ferroviária alternativa à atual, entre Grândola e Sines, com passagem naquelas três localidades, ou nas proximidades, e também no Hospital do Litoral Alentejano.
O podcast “Sobre Carris” pode ser ouvido aqui.
Fonte: CIMAL